Mídia Educação no Mundo - palestra da Alexandra Bujokas
Fiz esse blog para registrar as referências e informações que usei na palestra "Experiências Interancionais em Literacia e Responsabilidade Social", que proferi como participante da mesa "Instituições Midiáticas e Responsabilidade Social", realizada durante o 2 Encontro de Comunicação e Educação, promovido pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, PR, em 4 de maio de 2012.
sexta-feira, 4 de maio de 2012
Ponto de partida: em busca de uma definição
Mídia-educação é uma especificidade do fazer educativo que vem ganhando
consistência e reúne contribuições de áreas diversas, tais como ciências da
comunicação, pedagogia, sociologia, linguística, semiótica, informática, design
e cinema. Consequentemente, há uma ampla diversidade de abordagens e objetivos.
Entretanto, é muito provável que todas essas iniciativas tragam à tona questões
comuns.
O professor inglês David Buckingham, no livro "Media Education" (Polity Press, 2003) destaca algumas questões paradigmáticas neste campo
emergente:
+ Como identificar o que os estudantes sabem sobre mídia?
+ Como é que
eles adquirem compreensão crítica ou de conceitos?
+ Como eles aprendem a usar as
mídias para expressar a si mesmos e para se comunicar com os outros?
+ Como eles
relacionam discurso acadêmico com suas próprias experiências como usuários de
mídias?
+ Como podemos identificar e avaliar evidências do aprendizado? Como
podemos ter certeza de que a educação para a mídia faz diferença?
Em termos práticos, um desafio importante é saber promover atividades de
produção de conteúdo que não sejam, no final das contas, mera celebração da
vontade do aluno. Em outras palavras, se o professor não tiver objetivos,
metodologia, critérios de avaliação definidos a priori, a produção de vídeos, programas de rádio, revistas, blogs
etc pode ser uma atividade estimulante, significativa, divertida, mas também
pode acabar ensinando pouco sobre o papel e o funcionamento dos meios de
comunicação. Com efeito, compreender o que é e para que serve a mídia é algo
que deve nortear as iniciativas de media
literacy.
Empoderando estudantes para expressar suas opiniões
O ponto de partida para a palestra será este vídeo produzido por alunos que frequentaram as oficinas de mídia-educação realizadas na Universidade do Sagrado Coração em Bauru, SP. O projeto foi financiado com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). As atividades forneceram aos estudantes noções de enquadramento, movimentos de câmera, sonoplastia, estruturas narrativas, montagem e representação. Depois disso, eles expressaram suas visões sobre as tarefas da escola.
Ao adquirir conhecimento para receber e emitir informações, os alunos exercitaram um pouquinho mais o seu direito à liberdade de expressão.
Ao adquirir conhecimento para receber e emitir informações, os alunos exercitaram um pouquinho mais o seu direito à liberdade de expressão.
A questão que emerge de uma experiência como essas é "como lidar com a controvérsia inerente à liberdade de expressão em atividades escolares"?
Mídia-educação na Argentina
Roxana Morduchowicz é autora de um capítulo no livro "Mapping Media Education Policies in the World", editado pela ONU em 2009. Lá, ela explica porque o governo da Argentina investe numa política nacional de mídia-educação:
“A democracia havia sido
restabelecida em 1983 e as crianças que tinham vivido sob um rígido regime
militar precisavam aprender o sentido da liberdade de expressão, liberdade de
imprensa e direito à informação”
Ela também lista os objetivos do programa:
+ Formar
professores em cursos presenciais e online
+ Promover
atividades para escolas, incentivando a produção de conteúdos midiáticos
+ Criar
oportunidades institucionais para a livre expressão dos jovens – “Jornalista
por um dia”
+ Sensibilizar
a comunidade, em especial os pais, para a importância de orientar os filhos na
sua relação com as mídias
Clique aqui para acessar o site do programa "Escuela y Medios (em castelhano)
Habilidades de "media literacy" segundo a UNESCO
O Media and Information Literacy Curriculum for Teachers foi lançado pela UNESCO em 2011.
A versão em português do documento está
sendo preparada pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), no
escopo de uma parceria firmada entre a organização e a universidade, e será
lançada em 2012.
A proposta curricular é composta de duas
partes. A primeira parte descreve sete competências básicas para acessar,
avaliar, usar e produzir conteúdos usando as mídias e como integrar essas
competências aos currículos de formação de professores. Também apresenta dez
técnicas pedagógicas que facilitam o ensino e a aprendizagem de tais
competências. A segunda parte reúne 11 módulos que sintetizam conceitos
relevantes para orientar o estudo da mídia, tais como liberdade de expressão,
ética e responsabilização da mídia, audiências, publicidade, sistemas de
produção de notícias, linguagem e representação.
De um modo geral, o referencial
curricular foca o desenvolvimento da consciência sobre o modo como usamos as
mídias para o trabalho, o lazer e o aprendizado. Nesse contexto, a
mídia-educação é considerada um instrumento para construir sociedades do
conhecimento, promover a liberdade de expressão e o acesso universal à
informação.
A proposta é que universidades
brasileiras implementem projetos-piloto que integrem a educação para a
informação e comunicação na formação inicial de professores para o Ensino
Médio, através de um referencial curricular que possa ser adaptado em todo o
mundo, de acordo com as necessidades específicas de cada país.
Na perspectiva da UNESCO, portanto,
trata-se de desenhar uma proposta de base que não só aborde as questões
específicas de mídia, mas que facilite a integração de outras áreas do
currículo à proposta de leitura, produção e participação cidadã que emerge com
a disseminação das tecnologias de comunicação e informação.
Essas são as habilidades básicas de "media liteacy" segundo o documento da UNESCO:
+ Capacidade
de compreender o papel e as funções da mídia em sociedades democráticas;
+ Capacidade
de compreender mecanismos internos de funcionamento da mídia;
+ Saber
avaliar criticamente o conteúdo da mídia à luz do seu papel social;
+ Capacidade
de se engajar em ações de participação democrática, promoção da liberdade de
expressão e participação cívica;
+ Ser
capaz de atualizar habilidades necessárias para produzir conteúdo como usuário.
Fonte: Media and
Information
Literacy
Curriculum for Teachers
–
UNESCO, 2011
Conceitos-chave da mídia-educação
Síntese feita a partir do livro:
Lusted, D.
(org.). The media studies book: a guide for teachers. Londres:
Routledge, 1991.
Linguagem - O
educador deve demonstrar que, no texto midiático, é a linguagem que produz
sentido e não uma suposta expressão por si só. Deve-se mover da ideia de
transparência (isto é, de que os significados são óbvios) para uma abordagem
analítica e questionadora. Na prática, deve-se separar a “denotação” (a
descrição dos elementos que compõem um texto e da ordem em que esses elementos
estão dispostos) da “conotação” (a interpretação que emerge dos arranjos
específicos da linguagem).
Estruturas narrativas
- Ao se compreender o modo como a ordem é restabelecida numa história de
ação ou como o final feliz é descrito numa novela, o estudante pode ser
instigado a desvendar os meandros ideológicos das narrativas das quais gosta. O
distanciamento provocado e os exercícios propostos pela análise estrutural
podem trazer à tona aspectos sutis que passam despercebidos sobre, por exemplo,
incoerências, fatos importantes que foram negligenciados ou passaram como
simplesmente naturais ou inevitáveis.
Instituições de mídia
- Segundo Raymond Williams instituição é um nome dado para uma ação ou um
processo que se repete e, em certo estágio, torna-se um conceito geral e
abstrato, passando a descrever algo aparentemente objetivo. Nesse ponto, as
instituições se tornam ideológicas, e cabe ao pensamento crítico refazer o
percurso histórico, do processo inicial à abstração, trazendo à tona relações
de poder. Nesse sentido, o maior poder de um grande grupo de comunicação reside
na possibilidade de arregimentar pessoas que trabalhem em seu favor, numa
situação incerta e precária, que pode mudar, por exemplo, em função de
políticas públicas regulatórias, inibidoras do crescimento exagerado das
companhias, criando outras oportunidades de emprego, distribuindo o poder e
promovendo equilíbrio.
Audiência –
refere-se “aos “usuários de mídias” — que fazem o uso de certas maneiras, e não
de outras. Pode designar um grupo de pessoas socialmente reunidas, em silêncio,
assistindo a um espetáculo ou ouvindo um discurso, ou o oposto: uma multidão
espalhada, amorfa e passiva, que consome entretenimento menor pela TV, em
locais privados. Traz também a ideia de falta de senso crítico e de ausência de
atividade mental do público. Tais descrições sustentam ao menos duas ordens
genéricas de valores: a mensagem como todo-poderosa e a audiência vulnerável;
os espectadores como todo-poderosos e a mensagem como praticamente incapaz de determinar
crenças e comportamentos. Entre esses dois extremos, há um ponto de equilíbrio
que relaciona as estruturas do texto e as comunidades interpretativas, levando
a uma interpretação dialética do comportamento da audiência.
Representação - de
um modo geral, transita entre dois extremos, que vão da concepção de espelho e
fidelidade, à ideia de fantasia e distorção. Entre esses dois pontos, podemos
localizar a representação ligada à ideia de identidade. Estudar criticamente os
mecanismos de representação da mídia tem menos a ver com a denúncia das
supostas ficções traduzidas de realidade e mais a ver com entender de que modo
as convenções criam representações, e como tais representações variam de acordo
com a intencionalidade do produtor e os propósitos do público.
Veja aqui um vídeo em duas partes sobre como aplicar os conceitos-chave em atividades práticas:
Casos práticos - BBFC
O DVD interativo "Behind the Scenes" (Por trás das cenas) foi produzido pelo British Board of Film Classification, o órgão que classifica a produção audiovisual para ser exibida no Reino Unido. Por estar sempre numa linha de fogo com as corporações de mídia, o BBFC realiza iniciativas para informar o público sobre o porque da classificação indicativa e como ela é feita.
Clique aqui para ler uma descrição detalhada do material (em português)
Clique aqui para acessar a página de educação do BBFC (em inglês).
Casos práticos - materiais do English and Media Centre
O English and Media Centre é uma organização de direito privado que promove cursos e publica materiais pedagógicos de mídia-educação para a escola básica na Inglaterra. Uma das mais recentes publicações é o kit "Doing Ads - Approaches for the 21st Century" (Fazendo anúncios - abordagens para o século 21).
Trata-se de um caderno de atividades com um DVD contendo anúncios de marcas locais e "super marcas" como a Levi's jeans. Esse material consegue articular exercícios que lidam com linguagem, representação, audiências, instituições de mídia, mesclando atividades de leitura e produção.
Leia aqui uma descrição mais detalhada do material (em português)
Clique aqui para acessar a página do material no site do EMC (em inglês)
.
Casos práticos - About Face
O site "About Face" é mantido por uma organização não governamental dos Estados Unidos que usa a mídia-educação para combater a imposição de estereótipos de beleza para mulheres, especialmente através da publicidade.
Esse site mantém a galeria dos dez anúncios campeões de ofensa e os dez anúncios vencedores. E explica qual é o problema de cada um.
Em outra seção, o site ensina como escrever uma carta reclamando às autoridades reguladoras ou aos próprios anunciantes.
São iniciativas que aplicam os conceitos de representação e instituições de mídia.
Linguagem, representação e instituições de mídia: o caso "Hope Ensina" na formação de professores da UFTM
Para iniciar o estudo da mídia e o papel dessa esfera da cultura na formação das pessoas, partimos da série de anúncios "Hope Ensina", que havia sido veiculada no final de 2011 e gerou polêmica depois que a Secretaria de Políticas para Mulheres do governo federal pediu ao Conar que retirasse a propaganda do ar, por julgá-la sexista.
As atividades propostas tentaram articular elementos dos conceitos-chave linguagem (ao desmontar os filmes publicitários e examinar os elementos que o compõem), representação (ao comparar leituras dos alunos com aquelas feitas pela SPM e pelo Conar), insituições de mídia (ao explorar fundamentos da regulação da publicidade feita pelo Conar) e audiência (ao investigar as respostas dos alunos sobre o anúncio).
ATIVIDADE 1
+ Assistir
as propagandas da série “Hope ensina”
+ Ler
as reportagens sobre o caso da propaganda “Hope Ensina”
+ Discutir
o caso e emitir uma opinião: quem é contra e quem é a favor da iniciativa da
Secretaria de
Políticas para as Mulheres? Com base em que argumentos cada membro do grupo
sustenta sua opinião?
ATIVIDADE 2
+ Usando
o material, analisar a linguagem da propaganda: que elementos poderiam fazer
dela uma mensagem sexista?
ATIVIDADE 3
+ Considere o público-alvo da propaganda da Hope e crie uma propaganda de até 30 segundos que use a modelo Gisele Bündchen para anuncia os produtos da marca, mas que não gere a mesma polêmica do sexismo. Como seria essa propaganda? Descreva as imagens e o texto que você usaria.
As atividades foram realizadas com um material de apoio em PDF.
ATIVIDADE 4
+ Navegar
pelo
site do Conselho Autorregulamentação
Publicitária (Conar) e
conhecer a proposta desse órgão para a regulação da propaganda no Brasil;
+ Ler o
resumo da decisão
do Conar
sobre
o caso da propaganda “Hope Ensina”;
+ Ler os
artigos 19
a 21 (Respeitabilidade) do
Código de Autorregulamentação
publicitária,
que
regem o teor das reclamações feitas pela SPM e pelas outras 42 reclamações de
consumidores; e o artigo
27 do Regimento Interno do Conselho de Ética
+ Responder
a questão do fórum 1: você concorda com a decisão do Conar? Em
quais argumentos você baseia sua opinião?
As atividades foram feitas pelo ambiente virtual de aprendizagem Moodle, com um material de apoio em PDF.
Por fim, as respostas dadas pelos alunos na aula presencial e na aula não-presencial forma tabuladas e apresentadas para a classe, dando ao estudantes a oportunidade de "ver de cima" as reações da audiência.
Atividade final - Carta para o Conar
Paara avaliar em que medida os alunos saberiam aplicar o conhecimento adquirido em um novo caso, eles foram convidados a escrever uma carta ao Conar, reclamando da publicidade do azeite Gallo, que também gerou polêmica no final de 2011.
A carta deveria desmontar o anúncio, analisando os elementos da linguagem e argumentar como esses elementos potencialmente geram uma interpretação que fere o código de ética do conselho.
A carta deveria desmontar o anúncio, analisando os elementos da linguagem e argumentar como esses elementos potencialmente geram uma interpretação que fere o código de ética do conselho.
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