sexta-feira, 4 de maio de 2012

Ponto de partida: em busca de uma definição



Mídia-educação é uma especificidade do fazer educativo que vem ganhando consistência e reúne contribuições de áreas diversas, tais como ciências da comunicação, pedagogia, sociologia, linguística, semiótica, informática, design e cinema. Consequentemente, há uma ampla diversidade de abordagens e objetivos. Entretanto, é muito provável que todas essas iniciativas tragam à tona questões comuns.

O professor inglês David Buckingham, no livro "Media Education" (Polity Press, 2003) destaca algumas questões paradigmáticas neste campo emergente: 
+ Como identificar o que os estudantes sabem sobre mídia? 
+ Como é que eles adquirem compreensão crítica ou de conceitos? 
+ Como eles aprendem a usar as mídias para expressar a si mesmos e para se comunicar com os outros? 
+ Como eles relacionam discurso acadêmico com suas próprias experiências como usuários de mídias? 
+ Como podemos identificar e avaliar evidências do aprendizado? Como podemos ter certeza de que a educação para a mídia faz diferença?

Em termos práticos, um desafio importante é saber promover atividades de produção de conteúdo que não sejam, no final das contas, mera celebração da vontade do aluno. Em outras palavras, se o professor não tiver objetivos, metodologia, critérios de avaliação definidos a priori, a produção de vídeos, programas de rádio, revistas, blogs etc pode ser uma atividade estimulante, significativa, divertida, mas também pode acabar ensinando pouco sobre o papel e o funcionamento dos meios de comunicação. Com efeito, compreender o que é e para que serve a mídia é algo que deve nortear as iniciativas de media literacy

Empoderando estudantes para expressar suas opiniões

O ponto de partida para a palestra será este vídeo produzido por alunos que frequentaram as oficinas de mídia-educação realizadas na Universidade do Sagrado Coração em Bauru, SP. O projeto foi financiado com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). As atividades forneceram aos estudantes noções de enquadramento, movimentos de câmera, sonoplastia, estruturas narrativas, montagem e representação. Depois disso, eles expressaram suas visões sobre as tarefas da escola.

Ao adquirir conhecimento para receber e emitir informações, os alunos exercitaram um pouquinho mais o seu direito à liberdade de expressão.



A questão que emerge de uma experiência como essas é "como lidar com a controvérsia inerente à liberdade de expressão em atividades escolares"?

Mídia-educação na Argentina



Roxana Morduchowicz é autora de um capítulo no livro "Mapping Media Education Policies in the World", editado pela ONU em 2009. Lá, ela explica porque o governo da Argentina investe numa política nacional de mídia-educação:

“A democracia havia sido restabelecida em 1983 e as crianças que tinham vivido sob um rígido regime militar precisavam aprender o sentido da liberdade de expressão, liberdade de imprensa e direito à informação”

Ela também lista os objetivos do programa:
+ Formar professores em cursos presenciais e online
Promover atividades para escolas, incentivando a produção de conteúdos midiáticos
Criar oportunidades institucionais para a livre expressão dos jovens – “Jornalista por um dia”
Sensibilizar a comunidade, em especial os pais, para a importância de orientar os filhos na sua relação com as mídias


Habilidades de "media literacy" segundo a UNESCO

O Media and Information Literacy Curriculum for Teachers foi lançado pela UNESCO em 2011.˜
A versão em português do documento está sendo preparada pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), no escopo de uma parceria firmada entre a organização e a universidade, e será lançada em 2012.
A proposta curricular é composta de duas partes. A primeira parte descreve sete competências básicas para acessar, avaliar, usar e produzir conteúdos usando as mídias e como integrar essas competências aos currículos de formação de professores. Também apresenta dez técnicas pedagógicas que facilitam o ensino e a aprendizagem de tais competências. A segunda parte reúne 11 módulos que sintetizam conceitos relevantes para orientar o estudo da mídia, tais como liberdade de expressão, ética e responsabilização da mídia, audiências, publicidade, sistemas de produção de notícias, linguagem e representação.
De um modo geral, o referencial curricular foca o desenvolvimento da consciência sobre o modo como usamos as mídias para o trabalho, o lazer e o aprendizado. Nesse contexto, a mídia-educação é considerada um instrumento para construir sociedades do conhecimento, promover a liberdade de expressão e o acesso universal à informação.
A proposta é que universidades brasileiras implementem projetos-piloto que integrem a educação para a informação e comunicação na formação inicial de professores para o Ensino Médio, através de um referencial curricular que possa ser adaptado em todo o mundo, de acordo com as necessidades específicas de cada país.
Na perspectiva da UNESCO, portanto, trata-se de desenhar uma proposta de base que não só aborde as questões específicas de mídia, mas que facilite a integração de outras áreas do currículo à proposta de leitura, produção e participação cidadã que emerge com a disseminação das tecnologias de comunicação e informação. 

Essas são as habilidades básicas de "media liteacy" segundo o documento da UNESCO:

 + Capacidade de compreender o papel e as funções da mídia em sociedades democráticas;

˜ Capacidade de compreender mecanismos internos de funcionamento da mídia;

˜ Saber avaliar criticamente o conteúdo da mídia à luz do seu papel social;

˜ Capacidade de se engajar em ações de participação democrática, promoção da liberdade de expressão e participação cívica;

˜ Ser capaz de atualizar habilidades necessárias para produzir conteúdo como usuário.

Fonte: Media and Information Literacy Curriculum for Teachers – UNESCO, 2011

Conceitos-chave da mídia-educação


Síntese feita a partir do livro:
Lusted, D. (org.). The media studies book: a guide for teachers. Londres: Routledge, 1991.

Linguagem - O educador deve demonstrar que, no texto midiático, é a linguagem que produz sentido e não uma suposta expressão por si só. Deve-se mover da ideia de transparência (isto é, de que os significados são óbvios) para uma abordagem analítica e questionadora. Na prática, deve-se separar a “denotação” (a descrição dos elementos que compõem um texto e da ordem em que esses elementos estão dispostos) da “conotação” (a interpretação que emerge dos arranjos específicos da linguagem).

Estruturas narrativas - Ao se compreender o modo como a ordem é restabelecida numa história de ação ou como o final feliz é descrito numa novela, o estudante pode ser instigado a desvendar os meandros ideológicos das narrativas das quais gosta. O distanciamento provocado e os exercícios propostos pela análise estrutural podem trazer à tona aspectos sutis que passam despercebidos sobre, por exemplo, incoerências, fatos importantes que foram negligenciados ou passaram como simplesmente naturais ou inevitáveis.

Instituições de mídia - Segundo Raymond Williams instituição é um nome dado para uma ação ou um processo que se repete e, em certo estágio, torna-se um conceito geral e abstrato, passando a descrever algo aparentemente objetivo. Nesse ponto, as instituições se tornam ideológicas, e cabe ao pensamento crítico refazer o percurso histórico, do processo inicial à abstração, trazendo à tona relações de poder. Nesse sentido, o maior poder de um grande grupo de comunicação reside na possibilidade de arregimentar pessoas que trabalhem em seu favor, numa situação incerta e precária, que pode mudar, por exemplo, em função de políticas públicas regulatórias, inibidoras do crescimento exagerado das companhias, criando outras oportunidades de emprego, distribuindo o poder e promovendo equilíbrio.

Audiência – refere-se “aos “usuários de mídias” — que fazem o uso de certas maneiras, e não de outras. Pode designar um grupo de pessoas socialmente reunidas, em silêncio, assistindo a um espetáculo ou ouvindo um discurso, ou o oposto: uma multidão espalhada, amorfa e passiva, que consome entretenimento menor pela TV, em locais privados. Traz também a ideia de falta de senso crítico e de ausência de atividade mental do público. Tais descrições sustentam ao menos duas ordens genéricas de valores: a mensagem como todo-poderosa e a audiência vulnerável; os espectadores como todo-poderosos e a mensagem como praticamente incapaz de determinar crenças e comportamentos. Entre esses dois extremos, há um ponto de equilíbrio que relaciona as estruturas do texto e as comunidades interpretativas, levando a uma interpretação dialética do comportamento da audiência.

Representação - de um modo geral, transita entre dois extremos, que vão da concepção de espelho e fidelidade, à ideia de fantasia e distorção. Entre esses dois pontos, podemos localizar a representação ligada à ideia de identidade. Estudar criticamente os mecanismos de representação da mídia tem menos a ver com a denúncia das supostas ficções traduzidas de realidade e mais a ver com entender de que modo as convenções criam representações, e como tais representações variam de acordo com a intencionalidade do produtor e os propósitos do público.

Veja aqui um vídeo em duas partes sobre como aplicar os conceitos-chave em atividades práticas:






Casos práticos - BBFC


O DVD interativo "Behind the Scenes" (Por trás das cenas) foi produzido pelo British Board of Film Classification, o órgão que classifica a produção audiovisual para ser exibida no Reino Unido. Por estar sempre numa linha de fogo com as corporações de mídia, o BBFC realiza iniciativas para informar o público sobre o porque da classificação indicativa e como ela é feita.

Clique aqui para ler uma descrição detalhada do material (em português)

Clique aqui para acessar a página de educação do BBFC (em inglês).

Casos práticos - materiais do English and Media Centre




O English and Media Centre é uma organização de direito privado que promove cursos e publica materiais pedagógicos de mídia-educação para a escola básica na Inglaterra. Uma das mais recentes publicações é o kit "Doing Ads - Approaches for the 21st Century" (Fazendo anúncios - abordagens para o século 21).
Trata-se de um caderno de atividades com um DVD contendo anúncios de marcas locais e "super marcas" como a Levi's jeans. Esse material consegue articular exercícios que lidam com linguagem, representação, audiências, instituições de mídia, mesclando atividades de leitura e produção.

Leia aqui uma descrição mais detalhada do material (em português)

Clique aqui para acessar a página do material no site do EMC (em inglês)
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Casos práticos - About Face



O site "About Face" é mantido por uma organização não governamental dos Estados Unidos que usa a mídia-educação para combater a imposição de estereótipos de beleza para mulheres, especialmente através da publicidade.

Esse site mantém a galeria dos dez anúncios campeões de ofensa e os dez anúncios vencedores. E explica qual é o problema de cada um.

Em outra seção, o site ensina como escrever uma carta reclamando às autoridades reguladoras ou aos próprios anunciantes.

São iniciativas que aplicam os conceitos de representação e instituições de mídia.

Linguagem, representação e instituições de mídia: o caso "Hope Ensina" na formação de professores da UFTM

Para iniciar o estudo da mídia e o papel dessa esfera da cultura na formação das pessoas, partimos da série de anúncios "Hope Ensina", que havia sido veiculada no final de 2011 e gerou polêmica depois que a Secretaria de Políticas para Mulheres do governo federal pediu ao Conar que retirasse a propaganda do ar, por julgá-la sexista.

As atividades propostas tentaram articular elementos dos conceitos-chave linguagem (ao desmontar os filmes publicitários e examinar os elementos que o compõem), representação (ao comparar leituras dos alunos com aquelas feitas pela SPM e pelo Conar), insituições de mídia (ao explorar fundamentos da regulação da publicidade feita pelo Conar) e audiência (ao investigar as respostas dos alunos sobre o anúncio).




Essas foram as atividades propostas para estudar a linguagem do anúncio, as representações em disputa e o papel das instituições de mídia envolvidas:

ATIVIDADE 1
+ Assistir as propagandas da série “Hope ensina”
+ Ler as reportagens sobre o caso da propaganda “Hope Ensina”
+ Discutir o caso e emitir uma opinião: quem é contra e quem é a favor da iniciativa da Secretaria de Políticas para as Mulheres? Com base em que argumentos cada membro do grupo sustenta sua opinião? 

ATIVIDADE 2
+ Usando o material, analisar a linguagem da propaganda: que elementos poderiam fazer dela uma mensagem sexista?

ATIVIDADE 3
Considere o público-alvo da propaganda da Hope e crie uma propaganda de até 30 segundos que use a modelo Gisele Bündchen para anuncia os produtos da marca, mas que não gere a mesma polêmica do sexismo. Como seria essa propaganda? Descreva as imagens e o texto que você usaria.

As atividades foram realizadas com um material de apoio em PDF.




ATIVIDADE 4
+ Navegar pelo site do Conselho Autorregulamentação Publicitária (Conar) e conhecer a proposta desse órgão para a regulação da propaganda no Brasil;
+ Ler o resumo da decisão do Conar sobre o caso da propaganda “Hope Ensina”;
+ Ler os artigos 19 a 21 (Respeitabilidade) do Código de Autorregulamentação publicitária, que regem o teor das reclamações feitas pela SPM e pelas outras 42 reclamações de consumidores; e o artigo 27 do Regimento Interno do Conselho de Ética
+ Responder a questão do fórum 1: você concorda com a decisão do Conar? Em quais argumentos você baseia sua opinião?

As atividades foram feitas pelo ambiente virtual de aprendizagem Moodle, com um material de apoio em PDF.

Por fim, as respostas dadas pelos alunos na aula presencial e na aula não-presencial forma tabuladas e apresentadas para a classe, dando ao estudantes a oportunidade de "ver de cima" as reações da audiência.









Atividade final - Carta para o Conar

Paara avaliar em que medida os alunos saberiam aplicar o conhecimento adquirido em um novo caso, eles foram convidados a escrever uma carta ao Conar, reclamando da publicidade do azeite Gallo, que também gerou polêmica no final de 2011.

A carta deveria desmontar o anúncio, analisando os elementos da linguagem e argumentar como esses elementos potencialmente geram uma interpretação que fere o código de ética do conselho.